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F1: Olá, pessoas. Estamos de volta com mais um episódio de Os Agilistas, aqui no estúdio com Marcelo Schuster. Bom, neste episódio a gente vai explorar a terceira lei da agilidade, aquilo que a gente reconhece que uma empresa está fazendo quando ela já está mais desenvolvida nesse mind set. E, nesse episódio, a lei é: estrutura de rede. Só para recordar, para fazer sentido para vocês, a primeira foi times pequenos, multidisciplinares, com autonomia para fazer experimentos. A segunda foi, realmente, centrar o negócio no cliente, no que ele precisa, e a gente até discutiu que é mais do que o cliente, é entender o negócio como pessoas, então, olhar para fora, para o cliente, mas também para os empregados, os parceiros. E, agora, o último elemento dessa série é estrutura de rede. (Schu, você vai começar elucidando isso, estar em rede é, na verdade, um contraste muito grande com a estrutura organizacional das empresas, muito hierárquica, com cargos, carreira. Então, Schuster, vamos começar falando sobre o que é uma empresa ter uma estrutura de rede.

M1: Então, uma estrutura de rede é uma estrutura na qual você tem um número muito maior de conexões entre os diversos participantes daquela rede, o que não acontece nas organizações tradicionalmente. Nas organizações tradicionais, aí vamos pegar da mais tradicional para a menos tradicional, nas mais tradicionais você tem, praticamente, silos e a informação tem sentidos bem específicos nos quais ela pode fluir, tanto para cima quanto para baixo, e existe, inclusive, essa metáfora de para cima e para baixo, ou seja, fica muito claro um certo caminho que a informação tem que fazer, fica muito claro aonde as decisões são tomadas e quem pode tomar decisão, e quem não pode tomar decisão. Na medida em que você caminha para uma estrutura mais em rede, é como se cada nó daquela rede fosse mais autônomo, vamos dizer assim. Cada nó daquela rede participa de forma efetiva da organização, do que ser apenas um componente que quase não tem naquela organização ou ter um papel muito limitado. Então, primeiro, você tem muito mais interconexão. Então, é como se você fomentasse muito mais a comunicação entre os diversos times, entre os diversos departamentos, com os clientes, e, além disso, aí nós vamos falar um pouquinho mais para a frente dessa questão da autonomia, que é intrínseca a uma estrutura em rede, como cada pessoa tem mais autonomia, cada nó desses tem muito mais poder. Seja esse nó um time, ou seja, esse nó uma pessoa, cada nó tem uma contribuição maior. Se você lembrar, circulou há pouco tempo um e-mail na internet, não um e-mail… Circulou a notícia de um e-mail que o (inint) [00:02:59] mandou… Eu lembrei disso agora, ele mandou um e-mail para a organização dele. Eu lembro que foi alguma coisa assim, teve algum problema que aconteceu e que alguém resolveu, não respeitando a linha de autoridade formal. O que o (inint) [00:03:16] fez? Ele mandou um e-mail falando o seguinte, “Mas é exatamente isso que a gente tem que fazer nessa empresa”, ou seja, as pessoas têm que romper o que precisar romper, desde que estejam fazendo aquilo para o bem da empresa. É aquela história do propósito, que nós ainda vamos explorar. Isso é uma estrutura muito mais ligada em rede do que uma estrutura normal, onde isso é impensável e a tendência é punir alguém que fizesse isso, mesmo se ele acertasse.

F1: Ou seja, as pessoas continuam tendo um papel, algumas competências específicas, porém a missão da empresa, ou seja, a entrega de resultado, o valor para o cliente é que vai dizer quando perpassar essas estruturas que existem, de alguma forma. Porque algumas estruturas não são nem formais, elas são um pouco invisíveis, mas aquelas pessoas diante de um dado novo, a gente está falando, assim, de uma equipe criativa, está testando, tem elementos novos, então, obviamente, ela não vai ter todas as respostas. Está lidando com algumas situações novas, ela vai ter que ser criativa para achar uma solução, e, às vezes, essa solução vai pedir que ela use um atalho, um caminho mais rápido. Isso é totalmente normal e tolerável.

M1: Se a gente pegar toda a nossa linha de raciocínio durante os episódios, que a gente parte de um ambiente muito mais complexo, onde você tem pouca previsibilidade, a questão do vulca, da volatilidade, da instabilidade e tudo isso mais, você percebe que é, no mínimo, estranho você pensar que você partiu de um projeto organizacional fixo, já rígido, para lidar com aquele ambiente. Uma estrutura em rede, no fundo, quer dizer uma estrutura mais orgânica, onde você incentiva a comunicação mesmo, porque você procura algum comportamento emergente novo. E como é que você vai ter um comportamento emergente e novo? Se você tratar cada time ou cada pessoa, cada departamento como uma peça já muito bem definida, vai virar mais para aquele lado daquela metáfora que a gente fez com um cravo. Pode ser até uma organização complicada, mas vai ser muito limitante o que cada um pode fazer. Se você começa a dar mais maleabilidade, é como se você, e é por isso que as metáforas tendem a ficar mais orgânica, você tende a ter um organismo ali.

F1: Sai o Newton e entra o Darwin, para ver claramente que o modelo que você está ilustrando aí é muito parecido com o que Darwin fala da adaptabilidade. Você falou, aquilo que não se adapta ou aquela pessoa que não tem um comportamento desejado, o próprio grupo vai expelir e isso vai evoluindo. É uma metáfora muito mais orgânica mesmo.

M1: Isso é interessante. Por isso que eu acho que é sempre bom reforçar a questão do paradigma. Isso incomoda profundamente, o paradigma de gestão, que é o dominante, porque fica parecendo o seguinte, “Cara, mas isso é uma confusão danada. Como é que você vai garantir que isso vai gerar resultado? Como é que você vai garantir o que o líder vai fazer no final das contas em um modelo desse?”. Não é que é uma confusão danada, mas o fato é, como as organizações hoje têm que inovar mais, tem que gerar valor continuamente, quanto mais você gera essas linhas de comunicação, mais chance tem, eu volto a repetir, de surgir algum comportamento emergente diferente, que vai fazer a organização, por exemplo, de fato, inovar. Um exemplo interessante que eu quero comentar de um livro aqui, aquele livro que a gente tem falado, o The Edge of (inint) [00:06:53], é interessante porque é o quê? É uma organização militar que está no Afeganistão e os times, individualmente, já até tem aquela história de times bem autônomos e com aqueles princípios de comando de emissão, já é uma coisa mais comum no exército, os times têm missões que eles têm que seguir. Mas, a despeito disso tudo, como eram muitos times e times de naturezas diferentes, você tinha um time de inteligência que era da inteligência americana, tinha um que era da CIA, tinha times dos (inint) [00:07:29], você tinha uma confusão de times (inint) [00:07:31]. Todos tinham uma quantidade de informação absurda, tinham as melhores tecnologias do mundo. Isso era depoimento do general que cuidava da operação. Eles tinham, talvez, na história da guerra, o que eles chamavam de melhor conhecimento situacional possível. Eles conseguiam saber tudo que estava acontecendo com satélite, com drone e, ainda assim, eles não estavam conseguindo reagir devidamente ao ambiente. Eles estavam, digamos assim, tomando um banho mesmo dos caras, porque eles tinham que se adaptar muito rapidamente a uma série de situações, e apesar de cada time, em tese, poder ser até autônomo, na situação como um todo eles não conseguiam se adaptar. Aí o que esse cara começou a perceber é, justamente, que apesar de os times ainda serem assim, havia muita propriedade sobre determinadas informações e havia muitos fluxos definidos de onde a informação tinha que seguir, e havia locais muito fixos de onde a adesão mais global podia ser tomada. Sabe, essa decisão mais ainda dependia… Por mais que o time tenha autonomia até um certo ponto, é claro que vai ter sempre até um certo ponto, mas a verdade é que em certos momentos aquele time tem que tomar uma decisão e que alguém poderia dizer que, talvez, não fosse uma decisão que tivesse sido tomada em outro lugar, mas se ele também não tomar aquela decisão naquela hora, já passou o momento. A gente está falando de uma situação extrema, mas a gente falou de colocar o cliente no centro. Tem decisões que se você não tomou na hora, você já perdeu o cliente.

F1: E o efeito daquilo ali, não é?

M1: A repercussão daquilo… Eu li em algum lugar, não me lembro aonde, aquela história horrorosa, de que eles tiraram um cara de um avião, lembra, que estava com o over booking?

F1: Sim, recente, não é?

M1: O pessoal ilustra muito isso como uma história de uma empresa que é uma estrutura bem tradicional que segue regras, que não tem muito essa noção de propósito, o cara segue muito assim. Tinha um regulamento mesmo que ele tinha que tirar o cara. Agora, imagina, qualquer pessoa que tivesse um pouco mais de engajamento e sentimento sobre do que a empresa tem que entregar para os clientes em geral, nunca tomaria uma decisão de tirar um cara na marra. Não sei se todo mundo que está ouvindo sabe, mas arrancaram o cara.

F1: E aí, obviamente, toda uma rede, fizeram vídeo e pronto, as ações caíram. A consequência foi essa.

M1: A repercussão disso é brutal. Então, o que eu acho superinteressante na história dele, porque é um general, e aí o que ele mostra é o seguinte. Ele começou a fazer os times serem mais multidisciplinares e começou a fazer os times conversarem mais, colocou autonomia muito fortemente dentro dos times, mudou o lugar da decisão, e é aí que chega em um ponto que, para mim, é um dos pontos amis cruciais de tudo, que é o que ele comenta e, para mim, isso vale para qualquer organização. As lideranças não são preparadas para entender o que elas têm que fazer em tal ambiente, porque o que se espera da liderança é saber todas as respostas e dar todos os direcionamentos. Como é que pode, então, você não saber as respostas ou deixar que essas respostas sejam encontradas pelos próprios times? É muito duro, porque a pessoa é formada para isso. Aí tem uma analogia fantástica no livro, que ele fala assim, “Eu sempre me enxerguei”, e aí a pessoa até a vaidade dela, a forma como ela vai se enxergando no mundo e se definindo, “Eu sempre me enxerguei como um grande mestre de xadrez”. Ou seja, aquele cara que está ali, movendo as pecinhas…

F1: E que já vê cinco jogadas para a frente.

M1: É como se fosse assim, certas visões só ele que tem da posição dele, só ele consegue enxergar e com o conhecimento dele de juntar tudo e garantir que os grupos deles estão na melhor posição possível, se fosse fazer a analogia com o jogo de xadrez. Só que ele começou a perceber que não era isso, porque esse tipo de estrutura não permitia que, na verdade, em campo eles agissem tão rápido quanto eles necessitavam, conforme o que eles fossem sentindo em campo. Aí ele percebeu que nessa nova estrutura, ou seja, uma estrutura onde a decisão mudou de nível e hoje todo mundo está aprendendo continuamente e tudo isso de que a gente já falou, ele percebeu que uma metáfora muito melhor para um líder é o líder ser mais visto como um jardineiro, eu acho isso muito interessante…

F1: Olha que interessante, de um xadrista para um jardineiro, e um marechal, um coronel.

M1: Um general. Você imagina que general que eles não devem ter colocado.

F1: Isso fala muito de como ele vê a liderança. Olha que interessante, não se espera. Uma pessoa em um lugar extremamente hierárquico, ele conseguir perceber que aquele modelo não estava dando certo, fazer experimentos e você falando isso me veio a outra questão. É tão comum hoje nas empresas, tem tanta informação, como você falou, tinha todo tipo de informação de que eles precisavam, mesmo assim não conseguiam ter a agilidade e tomar a decisão no momento certo.

M1: Só para ficar bem claro em porque o jardineiro, para explorar bem essa metáfora, porque pensa bem, um jardineiro, ele não pode virar e falar assim, que ele é responsável por fazer um tomate crescer, uma verdura crescer. O máximo que ele consegue fazer é garantir um bom ambiente para que essas coisas possam florescer, tanto removendo impedimentos, como cultivando incentivos corretos e fazendo as coisas, criando as condições necessárias para que elas possam florescer, mas ele não pode ser o ser da decisão.

F1: Ele não tem todo o poder, todo o controle, como parece, não é? Você falou uma coisa e eu nunca mais esqueci, que, às vezes, o papel do líder é não fazer nada, é dar o tempo. Você falava do jardineiro, ele prepara a terra, mas tem uma parte que ele tem que esperar para ver. É difícil isso, às vezes.

M1: Eu até esqueci. Tem uma palavra na medicina para isso, que é quando um médico vai fazer uma ação e causa algum dano, mas essa lembrança foi muito boa, porque muitos especialistas são pagos para fazer alguma coisa. A maioria. A ação é sempre valorizada e não a não ação.

F1: Para não fazer nada, deixa que eu não faço, não é?

M1: Então, você imagina… No campo médico existem estatísticas fortes sobre isso, de que o médico, você vai no médico, reclama de alguma coisa e ele é obrigado a fazer uma intervenção. Ele fala, “Eu tenho que fazer alguma coisa”. Então, o cara receita um remédio e, às vezes, você não tem nada e aquilo está piorando a sua situação. Nas empresas é muito assim, porque como o sistema é complexo, muitas vezes, as coisas vão se ajeitar. A nossa explicação, muitas vezes, é uma narrativa muito errada, porque está acontecendo aquele problema.

F1: A gente é muito precipitado em fazer relação de causa e efeito.

M1: Exatamente, a gente só pensar linear, pensa com relações de causa e efeito muito próximos, não consegue medir bem as consequências não pretendidas das ações que a gente faz, que é um campo todo de estudo. Tem um economista famoso desses liberais que fala que você vê o que você não vê.

F1: Humberto Marioti, não é? Humberto Marioti é um mentor nosso. Nós fizemos, participamos de um programa de mentoria com ele, continua. Essa semana eu estava com ele em São Paulo e com a Cris, e ele resumiu assim, o problema da nossa época é um problema de percepção. Isso parece simples, mas isso muda tudo. É o que a gente está discutindo desde o início. Como a gente percebe o mundo e com a gente está viciando em olhar, mas não perceber. Então, a gente aplica velhas metodologias sem perceber que a dinâmica das coisas mudou, que é esse mundo complexo que você está explorando, que a gente está explorando nesses quatro episódios. Nesse modelo, nessa liderança, que é muito mais um jardineiro, também gosto da metáfora de um chefe, um cozinheiro que está ali, ele também é impactado pelo o que vai acontecer, então tem ali uma postura de humildade. Você usou isso uma vez, que o líder dessa nova era tem que ser muito bem resolvido e ele precisa ter um pouco de humildade também. Fala um pouquinho desses dois atributos.

M1: Eu já me percebi caindo nesse erro e percebo muitas pessoas caindo nesse erro, que é o seguinte, quando a pessoa dá autonomia, ela se sente como se ela fosse condescendente. Falasse assim, “Deixe os meus liderados errarem, porque eles têm que aprender” ou “Deixe esse time errar, porque eles têm que aprender”. No fundo, ainda não saiu do seu papel de achar que você é aquele que sabe de tudo. Então, eu falo, eu também já pensei muito assim, já usei muito essa frase, “Deixa eles errarem”, mas o que eu percebo? Isso não é ainda a visão correta. A visão correta não é essa. A visão correta é que ninguém sabe, exatamente. Vamos todos aprender juntos. É claro que as pessoas têm experiências diferentes e vão conseguir atuar de formas diferentes em determinadas situações, mas aí volta o que você falou da conversa com o Marioti. Se você admite que, por isso que a questão da percepção e de entender o novo modelo, se você admite que você vive em um mundo complexo, complexo dentro da terminologia correta, você admite que você não é capaz de entender também a consequência das coisas que você faz. Você admite que você vai ter que fazer correção de rumo o tempo todo. Você admite que essa inteligência coletiva vai ser muito mais forte do que a sua inteligência individual. Então, é muito diferente em um contexto desse. Outra coisa que a gente pode trazer à tona é aquele livro que a gente comentava muito do reinventing organizations, que fala sobre as organizações que têm o poder mais distribuído. Para mim, ele fala um negócio que é perfeito, porque ele fala assim “Nessas organizações”, só abrindo um parêntese para quem não souber, esse autor classifica as organizações em diversos níveis, desde as organizações mais rígidas como até uma igreja, por exemplo, uma estrutura militar, até organizações mais convencionais, comerciais mesmo, governo e tudo. Aí você tem desde organizações em que a rigidez é absoluta. Igual a pessoa entra no exército e tem uma rigidez lá ou entra na igreja e não pode, dependendo da posição, não tem nem como evoluir naquela organização, até essas organizações de comando e controle com muito foco em desempenho, até organizações onde tem um grande engajamento, que elas são muito focadas em engajamento e mais liberdade. Só que eu lembro claramente que quando eu li sobre isso e vi uma palestra sobre isso, eu pensava muito, eu ficava muito feliz que a DT se enquadrava muito como essa organização que tem um forte engajamento. As pessoas têm um engajamento maior ali, são mais colaborativas. Então, isso gerava resultados interessantes para todo mundo, sob diversas perspectivas. Mas tem um comentário que eles fazem, que é o seguinte, essa não é a organização, ainda existe um outro tipo de organização, porque essa organização tem uma fraqueza, que é a seguinte. Eu nunca me esqueci dessas palavras da palestra. O cara falava assim, “Essa organização depende muito de um comando descentralizado para evoluir”. É como se fosse assim, beleza, você tem engajamento, mas as pessoas ainda esperam que venha de algum lugar o que tem que ser feito e por aí vai. Essas novas organizações, que eles chamam de TO organizations, tem uma cor, azul petróleo. Eu não sabia disso até ler.

F1: Eu também não sabia. Eu queria saber de onde ele tirou esse TO. Então, é o azul petróleo. Todo o sistema é um sistema de cores.

M1: São organizações onde você, realmente, tem o máximo de poderes distribuídos. A organização é completamente distribuída. A gente pode até entrar em mais detalhes sobre esse tipo de organização um dia, mas por que eu lembrei dessas organizações agora? Eu lembrei porque no livro o cara fala um negócio interessante. Ele fala assim, “Nessas organizações, não tem nem muito sentido falar sobre empoderamento, porque esse assunto não aparece, porque a pessoa não precisa ser empoderada, porque, para ela, ela já tem esse poder”. Entende o que eu estou querendo dizer?

F1: Já é nato.

M1: Isso é igual ao ar que você respira. A pessoa já entra, ela já está em times que tomam decisões, ela não precisa ficar discutindo a questão.

F1: Daí que vem aquela frase, “Nessas organizações os líderes não têm seguidores”, porque, na verdade, todo mundo é isso. Tem a ver com isso? Os líderes estão distribuídos.

M1: Eu estou falando, assim, esse tema, eu quis fazer essa analogia com o seguinte. Imagina um líder que realmente entenda que está em uma organização complexa ligada em rede e que o papel dela é diferente, a tendência é que ele nem tenha mais essas preocupações de se eu dei o comando e se eu não dei o comando, porque isso não vai ser mais, isso vai ser estranho nesse ambiente. Por isso que eu falo que é uma mudança de paradigma, entendeu? É como se você chegasse para um lugar para falar de empoderamento, mas o pessoal vai falar, “Como assim? Tem lugar em que as pessoas não podem tomar a decisão, não?”. “Quer dizer que um negócio desse, em que o time sabe bem não pode fazer?”. Ou seja, essa discussão de empoderamento perde o sentido. Igual você tinha perguntado da humildade. Eu acredito fortemente mesmo que a gente é formado… O líder, até nos filmes americanos, o líder é sempre aquele cara fodão, que sabe tudo e que resolve tudo. A gente adora super-herói, não é? A figura do líder é sempre essa. Tinha um chefe meu que usava muito a expressão, “Bem resolvido”. O cara tem que ser muito bem resolvido, porque ele vai aceitar, é como se ele se desfizesse um pouco do que era o poder que ele tinha e se colocasse em uma situação de muito mais desconforto, porque ele passa muito mais a pensar o que a organização tem que fazer naquele mundo maluco, o que ela precisa. A gente vai falar disso muito quando vai falar do (inint) [00:22:20], ou seja, ele passa a pensar muito mais nas intenções estratégicas, no que a organização deve fazer, mas ele começa a acreditar piamente que como aquilo será feito emerge, dos diversos níveis, e que também dos diversos níveis emerge o que tem que ser feito, porque a conversa é semidirecional.

F1: Então, o que justifica ainda uma liderança nesse modelo, já que é o time que está sentindo o mercado, ele que está lá na ponta, ele que está em contato com o cliente, vai ser essa visão um pouco mais de longo prazo ainda?

M1: É a visão e cultivar os valores da organização.

F1: E inspirar também os grupos, não é?

M1: Existe sempre um problema nas organizações de assimetria das informações entre os níveis estratégicos e os níveis operacionais. Então, isso é muito difícil de ser eliminado. Ou seja, uma organização, o nível operacional vai atender determinadas informações que o nível estratégico não tem e vice e versa. A questão é, a reação tradicional a isso é como existe essa assimetria de informação, eu centralizo a maior parte das decisões lá em cima, fico esperando os comandos lá de cima, porque eles sabem melhor o que fazer. Isso não mudou, que existe essa assimetria de informação. É claro, os executivos, quem está em um nível de direção, ele está tendo informações e tendo perspectivas que a operação não tem, mas isso é diferente de achar que porque ele tem essa informação ele sabe tudo que tem que fazer. Ele tem que promover o que? Uma disseminação dessa informação da melhor forma possível na organização, ele tem que conseguir ligar os pontos com as conversas que ele tem. Por isso que eu falo que é tudo muito mais orgânico, entendeu? É nesse sentido.

F1: Mas as empresas que estão passando por esse processo, que estão fazendo esses experimentos, o que eu vejo é igual quando a gente fala de criatividade. Você vai dando asa para as pessoas, você vai dando a autonomia, vai tirando os atritos para ela conseguir entregar resultado. Faz lá uma inspiração pelo propósito. As pessoas começam a questionar, a perceber que aquela mentalidade, geralmente, começando a ter, que aquilo está em desacordo com o modelo geral da empresa. Essa semana, vou dar um exemplo, estava conversando com um rapaz. Ele está trabalhando em uma empresa que hoje eu considero uma referência no Brasil, que está realmente investimento em uma transformação da mentalidade para uma mentalidade ágil, e ele me falou o seguinte. Eu perguntei, “Como é que tem sido o papel do RH aqui nessa empresa?”. “O RH é muito parceiro da TI, tem trazido, foi muito importante para nós, que ela trouxe outras visões do mercado. A gente olhava muito para dentro e a gente viu que outras empresas, existem outras formas de trabalhar, isso foi bacana para a gente questionar o nosso modelo e estamos há um ano trabalhando assim. Só que eu acho que, por exemplo, alguns cursos que são só para liderança deveriam estar acessíveis para todo mundo. Por que essa divisão?”. Aí eu fui falar com o RH isso. As pessoas começam a questionar não que não tem informação que vai ser mais para liderança, mas as pessoas também começam a questionar tudo, porque elas são incentivadas a questionar tudo, não é focado no resultado. O caso da Netflix, do CO da Netflix, (inint) [00:25:54]. Falaram com ele assim, “Olha, tem uma coisa muito estranha nessa empresa. Vocês me ligam de madrugada, me mandam mensagem no WhatsApp de madrugada, no final de semana, ninguém respeita nada, mas na hora de tirar férias eu tenho que tirar trinta dias de férias”. Toda razão. Que coisa mais industrial, férias, tirar um mês de férias. Como que poderia ser? Aí diz a lenda que hoje na Netflix você pode escolher que as suas férias vai ser você tirar toda sexta-feira, desde que você esteja entregando. Tudo bem que nos Estados Unidos essa parte da legislação trabalhista é um pouco mais flexível, mas só para mostrar. Quando uma empresa começa a fazer os experimentos com agilidade, as pessoas começam a ficar atentas para as coisas que deixaram já de fazer sentido, porque há um contraste dos dois modelos. Até na própria Netflix, que a diretoria de RH, recentemente, foi demitida. Todo mundo ficou, “Como assim? A mãe da cultura da Netflix, praticamente, foi demitida”. Ela falou, “Gente, eu fui demitida porque eu cumpri o meu papel. Existe uma cultura Netflix. Eu não tenho mais, não tenho esse propósito. Eu fui importante durante um momento. Agora eu vou ajudar outras empresas a desenvolver essa cultura”. Então, eu penso, até que ponto, e esse o grande desafio, eu nem sei mais se é do RH, porque também nesse modelo descentralizado eu fico pensando que o próprio time também vai percebendo as suas deficiências. Não sei se precisa de uma área central para desenvolvimento das competências, das pessoas. Como é que funciona na DTI essa coisa do desenvolvimento das competências e desenvolvimento pessoal?

M1: Existe muita gente que é de empresa mais tradicional que pode ficar horrorizado e pode achar “Isso é tudo loucura”, achar muito radical. O que eu acho é que a gente tem que tomar muito cuidado, falando um pouquinho da sua conversa com o Marioti ainda, eu acho que um dos problemas que existem é que as pessoas tentam criar um determinado modelo para a realidade e só usar aquele modelo. É aquilo que é muito discutido naquele livro de que no mundo complexo você pode ter que ficar transitando entre dois mundos diferentes.

F1: Essa mentalidade ou isto ou aquilo, e não dos dois.

M1: Excludentes, não é? É claro que uma organização pode identificar partes dela que ninguém do mundo vai provar para o cara que ele não deveria gerenciar da forma tradicional. Não estou nem dizendo que seja verdade ou não, mas, inicialmente, o cara pode pensar que seja assim e, de fato, pode ser, como ele pode identificar partes ali que vão ser completamente dentro desse modelo. Eu só acho importante…

F1: Não é que a gente está defendendo um modelo em detrimento do outro. É isso que você está falando. A partir daqui tudo é ágil.

M1: As coisas viram muito ideológicas sem querer, aí a pessoa vira um descentralizador como se fosse uma religião dele. Aí alguém mostra para ele que, em certos momentos, não é bom ser, e o cara fica igual a um doido, discutindo o que é, ou vice e versa. Então, na verdade, por isso que disso tudo que é muito importante a pessoa entender o propósito da empresa e ele ir tomando decisões que sejam alinhadas com aquele propósito. A DTI, no nosso universo, que é muito mais simples do que da maior parte dessas grandes empresas, a gente consegue, obviamente, experimentar com muito mais facilidade, a gente está em um processo muito grande mesmo de viver isso tudo. A gente não está fazendo essas coisas sem viver essas coisas. Então, hoje a gente já sente como liderança. Por isso que eu falo que eu mesmo fiz as reflexões, de parar de pensar assim “Estou deixando esse pessoal errar”. Não, não é essa a visão certa, porque a gente, recentemente, começou um movimento muito forte de autonomia mesmo e emerge cada coisa de cada time que é interessantíssimo. Aí acontece o que você falou mesmo. Os times começam a perceber e os times vêm com sugestões incríveis e pensam coisas incríveis. Não é que tudo é uma maravilha e que tudo vai ser bonito, e que tudo que os times pensarem é legal. Não, mas o balanço é muito positivo. O que a gente vem percebendo é que o balanço é muito positivo e é interessante, porque a gente percebe o quê? Dentro do nosso universo, que eu repito, é bem menor do que o de grandes empresas, a gente vê claramente o seguinte, como é que a gente ia fazer para cuidar de tantas operações diferentes? Porque a gente quer tratar cada cliente nosso com uma operação diferenciada. Está no nosso DNA esse atendimento sob medida, bem flexível com cada cliente. Como é que a gente faria isso diferente se não fosse uma estrutura descentralizada? Aí eu faço uma analogia pensando nessas grandes empresas que enfrentam ambientes também complicadíssimos. Como é que você vai conseguir realmente ser maleável se você não tiver uma estrutura que tende mais para descentralização? Por isso que eu acredito, mas é claro, as empresas vão ter que achar o caminho delas começando com esse mind set, fazendo algumas experimentações, mas vão ter que achar o caminho na medida em que vâo aprendendo.

F1: Para fechar esse bloco. Nessa história da DTI, teve alguma hora em que você teve que abrir mão de uma certeza, de fazer um teste, uma coisa mais radical, algum momento mais emblemático? Você falou, “Ok, na teoria é assim, mas vamos ver, vamos tentar” e foi algo mais arriscado? Alguma coisa se destacou?

M1: Não. A gente já tem uma mentalidade dessas, então para a gente é mais fácil de adotar. Ou seja, eu sempre trabalhei estruturas pouco hierarquizadas na minha vida. Sempre trabalhei com tipos de profissionais que também gostam e exigem isso, naturalmente, com tipos de atividades também que envolvem criatividade e que fomentam isso. Então, isso é um caminho meio que natural. O que dá muito medo é sempre qual vai ser a maturidade das pessoas para lidar com tomadas de decisão, ou seja, as pessoas que começam a enxergar números do negócio e tem que tomar certas decisões e fazer inferências sobre resultado, e começam a tomar decisões sobre os colegas. O maior medo que a gente tem é a questão da maturidade das pessoas para lidar com isso, porque esse mercado é feito por muita gente nova.

F1: Aí a questão da capacitação, o próprio time vai compartilhando o conhecimento e um vai capacitando o outro?

M1: A gente criou na DTI hoje, e é o que eu falo, não é que a DTI é um paraíso, mas o nosso caminho, que a gente está tentando trilhar hoje, é um caminho de quê? Tem muito compartilhamento de conhecimento, mas muito compartilhamento de conhecimento mesmo, e tentando criar uma cultura muito forte de estudo, de colaboração, e isso vai disseminando. Se a gente precisar de treinamentos específicos em um dado momento, precisar de uma formação de liderança, nada disso a gente nega que possa vir a ser necessário, mas vai emergir. A diferença é essa. Eu nunca começaria isso com um plano de capacitação.

F1: A pessoa tem uma trilha de desenvolvimento.

M1: Eu prefiro que uma equipe em uma análise, eu sei que o tempo já está grande, mas a gente não comentou, porque aí o cara fala, “Mas como é que o líder interfere na vida da empresa?”. Esses líderes têm conversas bidirecionais o tempo todo com os times, e como os times trabalham com ciclos curtos, esses líderes têm muitas oportunidades de entender o que está acontecendo e de darem o feedback deles. Eu sou muito mais favorável que um determinado time, em uma dessas análises críticas nossas, emerjam um assunto do tipo assim, vamos dar um exemplo bobo qualquer, “Vocês estão pedindo para a gente fazer uma gestão financeira mais apurada, mas a verdade é que a gente não entende disso direito”. Aí começa nesse mundo de hoje, você tem um milhão de treinamentos financeiros. Você pode ir no (inint) [00:34:01], pode comprar um, pode chamar um profissional, do que um caminho de antes eu pensar. Aí eu vou pensar nas competências, sendo que um outro time nosso pode vir com uma questão totalmente diferente. “Nós não estamos nos sentindo bem para poder traçar a jornada do cliente, estou sentido falta disso” e a demanda vai ser totalmente diferente. Então, imagina, você tem a mesma empresa atendendo clientes diferentes e, talvez, o caminho de cada time para poder amadurecer e chegar onde a gente quer vai ser bem diferente. Algumas coisas podem ser comuns e vão se espalhando, outras coisas podem ser totalmente diferentes por causa do momento de cada time, entendeu?

F1: Pessoal, estamos chegando ao fim de mais um podcast. Nesse a gente explorou aqui uma das outras leis. São três leis que a gente estava discutindo no nosso livro The Edge of (inint) [00:34:52] e uma é essa estrutura de rede. No próximo bloco, a gente vai falar um pouquinho sobre aquilo que, talvez, seja o que mais identifica hoje empresas que estão fazendo essa mudança de modelo mental, que é estruturar os times por squads, usar (inint) [00:35:09] e outras palavrinhas curiosas, com que muitos de vocês devem estar familiarizados com elas, outros talvez não, estão ainda tentando entender o conceito, mas a gente acha que você vai gostar muito. Dá o feedback para nós e não perca o próximo episódio.

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#04 O desafio das Organizações não hierárquicas

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