Arsenal do CIO: O Poder da Situação

Por dti digital|
Atualizado: Mar 2018 |
Publicado: Set 2015

Um estudante de teologia caminha no campus da faculdade, rumo a um prédio onde ministrará uma palestra sobre a parábola do “Bom Samaritano”. No caminho ele se depara com uma pessoa que aparenta estar passando mal: ela está de cabeça baixa, tossindo, com o semblante assustado. Esse estudante não hesita em ajudar a pessoa em questão.

Outro estudante, também de teologia, segue o mesmo caminho, em outro dia, com a mesma missão do estudante anterior: ministrar a palestra “O Sermão do Bom Samaritano”. No caminho, ele também se depara com uma pessoa passando mal, mas ele não para. Ao contrário, segue em frente para ministrar sua palestra.

Será que o primeiro estudante é o exemplo de uma pessoa boa e solidária? E o segundo? Seria o exemplo de uma pessoa má e egoísta? Seria a disposição de cada um de agir de uma determinada forma a principal explicação para a diferença de comportamento dos estudantes?

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Um CIO está liderando um importante projeto de inovação em sua empresa. Ele está prestes a conduzir uma reunião crítica, na qual irá apresentar algumas alternativas de solução para os diretores. Uma delas envolve grande risco, mas pode trazer enorme retorno à empresa e representa de fato uma inovação. O analista se expõe, mostra as alternativas e a empresa decide seguir no caminho verdadeiramente inovador.

Outro CIO se encontra em situação similar. Ele está prestes a conduzir uma reunião crítica, ele sabe que existe uma alternativa muito mais promissora do ponto de vista de inovação, mas muito mais desafiadora. Ele segue o caminho comum, apresenta a solução de mais fácil aceitação e a empresa segue em sua zona de conforto.

Será que o primeiro CIO é o perfeito exemplo de um líder virtuoso e arrojado? E o segundo? Seria o exemplo de um líder fraco e incapaz? Seria essa a principal explicação para diferença de comportamento dos CIOs: a disposição de cada um de agir de uma determinada forma?

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O erro fundamental de atribuição é conhecido pela psicologia social há muito tempo e refere-se à nossa tendência em explicar os comportamentos muito mais a partir das disposições pessoais de cada um do que a partir da situação específica em que o comportamento ocorreu.

Você está passeando com seu filho em um bairro calmo, onde várias crianças também passeiam. Um carro passa em alta velocidade, deixando todos assustados e irados com o comportamento do motorista. Ele certamente deve ser mal caráter e irresponsável para ter uma atitude dessas, certo?

Mas, na verdade, o motorista estava apressado porque ele estava levando seu filho, que havia acabado de se acidentar e sangrava muito, para um posto de atendimento de urgência.

O principal motivo dele estar correndo em um lugar onde não deveria fazer isso não tem nenhuma relação com suas disposições pessoais, mas simplesmente com a situação específica pela qual passava.

Cometemos esse erro de atribuição rotineiramente sempre que julgamos as pessoas, em todo tipo de tarefas.

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Voltemos então aos nossos estudantes de teologia. Essa história é real e trata-se, na verdade, de um experimento realizado com vários estudantes, que foram divididos em dois grupos com uma única diferença: os estudantes do grupo 1 não tinham nenhuma objeção de tempo para chegar ao prédio onde ministrariam a palestra; os estudantes do grupo 2 foram colocados em uma situação de pressão e tinham poucos minutos para chegar ao devido local.

Ou seja, a principal diferença entre o primeiro e o segundo grupo era simplesmente a pressa: o estudantes do primeiro grupo não tinham pressa, os do segundo tinham. E esse fator fez com que o comportamento dos grupos fosse completamente diferente: 90% dos estudantes do grupo 1 prestaram ajuda, contra apenas 10% do grupo 2!

A situação foi, então, a principal responsável pelo comportamento diferente e não o caráter de cada estudante, como a maioria das pessoas poderia supor.

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E os CIOs? Continuaremos acreditando que a principal diferença entre eles é de caráter, de disposição?

E se o primeiro CIO estivesse conduzindo a reunião em uma organização com uma estrutura menos hierarquizada, com uma maior cultura de aceitação de erros e exposição a riscos?

E se o segundo CIO estivesse conduzindo a reunião em uma organização mais rígida, onde falhas e ousadias são punidas e criticadas severamente?

A principal explicação para diferença de comportamento estaria na disposições pessoais de cada CIO ou na situação específica que enfrentaram?

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O poder da situação 

Estamos falando, portanto, de algo que podemos chamar de “o poder da situação“. A situação tem influência muito maior do que costumamos pensar e temos uma enorme tendência a subestimar isso em nosso dia a dia.

Não se trata de dizer que as disposições pessoais não importam, e sim, de saber avaliar essas disposições pessoais em diferentes situações, para que se tenha certeza de quais são as principais causas de uma meta não atingida.

Um CIO que deseja ter papel transformador em sua organização e que tenha como meta real tornar a TI relevante para o negócio de sua empresa, não pode fugir da responsabilidade de ser capaz de analisar as situações e, a partir dessa análise, conseguir realizar as transformações estruturais necessárias para se alcançar o caminho desejado. 

Um verdadeiro líder deve ser capaz de distinguir os problemas locais e pessoais dos problemas sistêmicos e estruturais – e agir de forma adequada.

Para isso, os CIOs devem incorporar ao seu arsenal de gestão “O poder da situação”.

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Nota do autor: esse post foi inspirado pelo livro “MINDWARE – Tools for Smart Thinking”, de Richard E. Nisbett. O objetivo do livro é fornecer um ferramental oriundo de diferentes escolas de pensamento – psicologia, estatística, economia, lógica – que nos ajude a aprimorar nosso raciocínio. Minha intenção é trazer alguns ferramentais para o dia a dia dos desafios que enfrentamos na gestão de TI. 
Por: Marcelo Szuster
Revisão: Jéssica Saliba.

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