Gerente de projetos: para poder mandar tem que saber fazer?

Por Regis Fontes|
Atualizado: Jul 2023 |
Publicado: Fev 2018

Gerente de projetos: para poder mandar tem que saber fazer?

Se você trabalha com projetos ou tem alguma interação com eles (realidade da maioria hoje), já deve ter se deparado com a questão de se um gerente de projetos precisa ter habilidades específicas da área a qual seu projeto diz respeito.

Na forma do provérbio popular que dá título a esse artigo, é verdade que “para poder mandar tem que saber fazer”? Para gerenciar um projeto de construção civil é necessário ter a formação de um engenheiro? É necessário ter sido desenvolvedor para gerenciar um projeto de software?

Na primeira vez que ouvi que “para poder mandar tem que saber fazer” foi no contexto da contratação de uma empregada doméstica. A ideia é que se alguém não sabe desempenhar as tarefas próprias da limpeza e organização de uma casa ela também não será capaz nem de delegar, nem de avaliar a qualidade do serviço feito pela empregada. Tampouco a razoabilidade do tempo gasto ou a adequação do valor pago.

Exemplos parecidos seriam: a avaliação de um conserto feito por um mecânico de automóveis, negociações com o empreiteiro sobre atrasos e “surpresas” diárias durante a reforma de uma casa, a desconfiança quanto ao tratamento prescrito por um médico, etc.

O que todas essas situações têm em comum? Alguma delas (ou em todas!) você não tem o conhecimento técnico para avaliar o trabalho realizado. Você será obrigado a confiar na palavra do especialista. Transporte agora isso para a realidade de um gerente de projetos (GP). Estando em jogo o sucesso ou o fracasso do projeto, quão confortável você se sentiria em ter que confiar cegamente na palavra de especialistas?

Caso 1: Quando o GP tem que confiar no especialista

A tarefa mais importante no caminho crítico do projeto é extremamente especializada e completamente fora da sua área de conhecimento como GP. A duração, custos, recursos necessários foram todos estimados pelo especialista que a executará, antes da inclusão da tarefa no projeto. A tarefa começa. Em todas as reuniões de status o especialista reporta que o progresso caminha conforme planejado, sem riscos identificados.

De repente, a surpresa: chega a informação de que a tarefa está com problemas, e deverá gastar 1 mês além do planejado, além de um custo extra significativo.

E agora? A situação não estava sob controle? Será que não teria sido possível evitar esse problema? Teria havido falha na identificação dos riscos? Quem garante que a avaliação atual do impacto também não está errada? Você confiou cegamente na opinião especializada e agora tem um problemão para resolver!

Caso 2: Quando o GP é especialista e não respeita os papéis

O GP domina completamente a disciplina do projeto. Imagine que você é o GP de um projeto de desenvolvimento de software. Área essa, na qual você já desempenhou praticamente todos os papéis ao longo de sua carreira: programador, arquiteto, DBA, etc.

No início do projeto o responsável técnico te apresenta a proposta de arquitetura da solução. Por conhecer do assunto, você nota alguns pontos em que ela poderia ser melhor e pede uma revisão profunda. Isso,  ao ponto de a arquitetura escolhida ter sido desenhada mais por você do que por ele.

Algum tempo depois, é necessária uma tomada de decisão em relação a uma parte importante da solução. Você se sente confortável para opinar. Você chama a responsabilidade e decide.

Situações semelhantes vão se repetindo. Até que, um dia você se dá conta de que o responsável técnico simplesmente não decide mais nada sem te consultar. O projeto atrasa porque você já não tem tempo para fazer o seu trabalho, já que está fazendo o dele também!

A chave do problema: Accontability

No primeiro exemplo, a pessoa que “mandava” não sabia fazer, mas no segundo sim. E os resultados não foram bons em nenhum dos dois casos! Será que o problema em ambos foi a quantidade de conhecimento que o GP tinha das tarefas em questão? Quero sugerir firmemente que não.

Acredito que ambos os projetos poderiam ter sido bem sucedidos sem a troca do seu gerente. Acredito nisso porque, para mim, a chave do problema não está no grau de conhecimento do GP.  Está em uma palavrinha que não tem uma tradução boa para o português: “accountability“. Significa responder pelo sucesso ou fracasso de algo, independente se você foi o executor ou delegou para alguém. É o “A” das matrizes “RACI”.

No primeiro caso, o GP confiou cegamente na opinião do especialista. Mas ele (o GP) é quem era, em última análise, “accountable” pelo sucesso ou fracasso da tarefa (e do projeto). No segundo caso o GP desrespeitou tanto a divisão de papéis na equipe que o responsável técnico passou a não se sentir “accountable” pela solução.

E ai?

Então, para saber mandar tem que saber… gerenciar a “accountability” (o provérbio fica bem menos chamativo, eu sei!). No exemplo que dei do reparo de um automóvel, se eu não sei nada de carros eu posso fazer duas coisas.

Em primeiro lugar, posso buscar um conhecimento que me permita ao menos conversar sobre o problema e sobre a razoabilidade da solução. Em segundo lugar, eu posso criar o máximo possível de mecanismos para fazer o mecânico se sentir responsável pelo resultado do seu próprio trabalho. Tais como:  exigir garantia do serviço, fazê-lo saber que será avaliado em sites especializados, ameaçá-lo de processo em caso de falha (no extremo!), etc.

Dessa forma eu aumento meu grau de confiança na entrega. Essas duas ações mostram que eu me reconheço como o “accountable” pela segurança do carro em que transporto a mim e à minha família. Ao mesmo tempo, faço o mecânico se sentir da mesma maneira pela parte que lhe cabe.

Delegar com confiança e fazer com que os demais envolvidos se sintam da mesma maneira

Dessa forma, o grau necessário de domínio técnico na área de conhecimento do projeto pelo GP deverá ser tal que o permita se sentir confortável com aquilo pelo qual responde. Delegar com confiança e fazer com que os demais envolvidos se sintam da mesma maneira.

Na prática, isso significa que, para mim, não é desejável um gerente de projetos “puro”. Isto é, sem nenhum conhecimento da área-alvo. Acredito que, pelo que demonstrei, um mínimo de conhecimento seja necessário para uma delegação e acompanhamento eficazes das atividades do projeto.

Um GP de projetos de construção não precisa ser engenheiro civil. Entretanto, se não conhece jargões básicos da área, riscos comuns, precedência de fases, por exemplo, corre o risco de perder sua relevância (não ter “accountability“). E ainda, de não entregar os resultados esperados. Ao mesmo tempo, por se tratar um conhecimento “mínimo” e não de formação completa, não fecho, em absoluto, as portas para que um gerente de projetos atue em várias áreas diferentes.

 

Atenção

Apenas chamo a atenção de que tanto ele quanto seu empregador precisam estar cientes de que pode haver a necessidade de um nivelamento de conhecimento no início do projeto. Isso trará benefícios a ambos, tanto em curto quanto em médio e longo prazos.

Por outro lado, um gerente de projetos que seja profundo conhecedor da área mas que não saiba se limitar ao seu papel oferece risco igual ou maior. Essa mistura entre GP e coordenador técnico, pode ser útil e até desejável para projetos e empresas menores. Porém, tem potencial de, entre outros, gerar desperdício de esforço, de ser fonte de conflitos e de gerar problemas sem “dono”.

É parte importante da transição de alguém que vem de uma função técnica para uma de gestão saber se refrear. E, entender até que ponto vai sua contribuição e em que ponto começa a interferir na responsabilidade alheia. Isso não quer dizer que você precise aceitar soluções medíocres. Apenas para evitar cruzar alguma linha.

Se você enxerga uma solução técnica melhor, precisa gastar o esforço necessário para que o responsável técnico a “compre”. Isso a fim de que ele possa responder por ela quando necessário.

Essa questão envolve certamente muito mais complexidades do que seria possível tratar em um artigo tão curto. Entretanto, estou convencido, e espero ter demonstrado um ponto. Por trás da questão quanto ao perfil de conhecimento do gerente de projetos esconde-se a questão maior de como atribuir responsabilidades com eficiência.

O gerente de projetos terá a dose certa de conhecimento quando for capaz de fazer com que toda a equipe tenha autonomia e confiança necessárias para responder por suas atribuições. A começar dele próprio. A questão não é nem saber mandar nem saber fazer. É saber delegar e saber cobrar.

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